sábado, 3 de abril de 2010

Sobre a justiça e a dor de Javé

"Toma teu filho, teu único filho, Isaque, a quem amas", disse o Senhor com palavras que atingiram profundamente o coração de Abraão, "e oferece-o ali em holocausto."

Entre os antigos hebreus, holocausto é o sacrifício em que se queimavam inteiramente as vítimas; imolação. Mas como seria possível Javé pedir a Abraão que imolasse o filho que Ele mesmo o havia prometido?
Mais uma vez nos deparamos com uma situação que poderia ser tida como injusta. Fazer Abraão esperar por anos (e não foram poucos!)para ter um filho, e posteriormente pedi-lo em sacrifício? É o que se pode chamar de "padrão desnorteante da orientação divina", nas palavras de Philip Yancey.
Há momentos nos quais ouvimos orientações que nos parecem absurdas! São períodos de deserto, de neblina, de escuridão, de frustração, de sofrimento. Perder o que nos é precioso, o que amamos, com o que sonhamos... Seria Deus injusto conosco?
Para Abraão, entregar Isaque em sacrifício significava abrir mão da bênção mais preciosa que o Senhor lhe concedera. Mas além disso, era ser tão obediente a ponto de se despojar de sua vontade a fim de fazer com que a de Deus se cumprisse a qualquer custo.
Para os que ainda creem, e eu creio, entregar Jesus foi para Deus mais sacrificial do que para Abraão se dispor a entregar Isaque. E com uma diferença discrepante: Isaque não chegou a ser imolado! No entanto, o filho de Deus, o que veio para libertar o povo, foi preso, humilhado, sacrificado como "ovelha muda que é levada para o matadouro".
Diante disso, nestes dias nos quais se relembra a páscoa do Senhor, reflitamos sobre a dor de Javé (o nosso Deus), que não teve opção a não ser permitir que seu filho fosse imolado. Que não pôde oferecer outro cordeiro, como o fez para Abraão.
E pensando na dor de Javé, que diante do lamento de Jesus para que aquele cálice lhe fosse passado, não pôde mudar a sua sorte, ainda é possível falarmos em injustiça? Somos acaso melhores ou mais dignos que o próprio Deus, que não poupou seu filho, nem a si mesmo do sofrimento?

terça-feira, 16 de março de 2010

Lidando com a injustiça

Pensar em um mundo caótico e não considerar a questão da injustiça é quase impossível. Mas e quando essa injustiça se refere a Deus? Seria Deus injusto por permitir que o mal abata a "bons" e "ruins"?

Em algum momento da vida nos defrontamos com o sofrimento, com a dor, com a tragédia. E nesses momentos, olhar para Deus como um pai amoroso e cuidadoso fica mais difícil. E que resposta dar aos que, decepcionados, buscam uma resposta que lhes possa aliviar a carga da alma? Seria então a resposta da "louca" mulher de Jó: "Amaldiçoa a Deus e morre", a mais adequada?Penso que não. Definitivamente NÃO!
Negar a Deus e concordar com a possibilidade de ele consentir com a injustiça, ou mesmo não ter PODER suficiente para interferir nas quesões que nos aflingem, seria reafirmar o que um rabino chamado Kushner concluiu: "até mesmo Deus encontra dificuldades para manter o caos sobre controle". Mas não penso estar aí a resposta para a indagação que introduz este texto.
Negar a potência de Deus é mais uma das respostas que se busca para entender a injustiça do mundo. No entanto, pensar nessa questão suscita uma série de outras...
Só nos resta concordar com Jó. A vida é injusta! Só que podemos encará-la sob outra perspectiva. Mas qual seria? Ninguém está isento da tragédia, nem o próprio Deus. Lembrem-se que Jesus não ofereceu nenhuma imunidade ao sofrimento.
Guarde no coração as palavras de um homem que diante do infortúnio percebeu que ainda que a vida seja injusta, Deus não é.

"Se desenvolvermos um relacionamento com Deus independente das circunstâncias de nossa vida, então seremos capazes de ficar firmes quando a realidade física se desmoronar. Podemos aprender a confiar em Deus apesar de toda a injustiça da vida." (Douglas)

quinta-feira, 11 de março de 2010

Sobre as águias e os relacionamentos...


Após ler A águia e a galinha: uma metáfora da condição humana, de Leonardo Boff , comecei a questionar uma série de reducionismos.
E em meio aos questionamentos, um me fez refletir mais demoradamente: a que temos reduzido os nossos relacionamentos? E alguns podem questionar: mas o que a águia tem a ver com os relacionamentos?
Eu respondo usando os dados colhidos por Boff sobre o comportamento das águias: Um casal de águias entretém uma relação de fidelidade por toda a vida. Eles caçam, montam o ninho, incubam os ovos, buscam o alimento para os filhotes juntos. Há uma relação de mutualidade, interdependência. Ambos dividem tarefas e compartilham a vida.
Outro dado extremamente interessante é que o casal de águias não se acasala apenas objetivando a procriação, a multiplicação da espécie ou nos momentos do cio, em certos períodos do ano. Tal qual o ser humano, o casal copula com frequência e em qualquer época do ano, como expressão de companheirismo amoroso, como afirma Boff.
O espetáculo do encontro se dá no ar, num entrelaçar de garras e num vôo que só termina quando embevecidos pela paixão, se deixam cair para então iniciar outros vôos e abraços de garras na imensidão do céu. Só depois se acasalam. Ah, não posso deixar de informar-lhes que só a morte separa o casal.
É o que se diz sobre as águias. Mas, e sobre nossos relacionamentos? Reciprocidade, fidelidade, divisão de tarefas, de sonhos, de objetivos, de vida... Penso que as águias tem muito a nos ensinar. Então, eu lhes convido à reflexão. Pensemos na águia como protótipo do relacionamento e nos deixemos voar na imensidão do céu, a fim de encontrarmos, no abraço de garras, um entrelaçar de vidas, na queda embevecida ao chão, impulso para outro vôo, e outros vôos que se repitam durante toda a vida numa fidelidade e companheirismo amoroso tal qual o fazem as águias, porque é melhor voar a dois.



Melhor é serem dois do que um... Pois se caírem, um levantará o seu companheiro... Também, se dois dormirem juntos, eles se aquecerão. (Eclesiastes 4:9-11)

“Eu conheço a imensidão do céu, pássaro que sou, mergulharei de vez... Duzentos por hora, ou algo mais, na velocidade de encontrar você, te merecer, voar, sem ter aonde chegar. E de lá do céu, formaremos dois em um só (...).
Sigo meu instinto animal, cruzo mil fronteiras garimpando amor, semeador... De tanto voar achei você! Melhor é voar a dois. Amanheceu, é hora de voar”. (Mikael Mutti)